segunda-feira, 9 de junho de 2014

A escalada de conflitos que envolvem índios no país desnudou o racismo dos brasileiros contra seus povos nativos, diz Sônia Guajajara, uma das maiores líderes do movimento indígena nacional.


  • Ministro da Justiça e Presidenta fogem de imprensa internacional quando o assunto é indígenas

    Em entrevista à BBC Brasil no fim de maio, quando esteve em Brasília ao lado de outros 500 índios para protestar, ela atribui o acirramento das tensões no campo à suspensão das demarcações de Terras Indígenas pelo governo federal.


    Para Sonia Guajajara, Dilma ignora aspirações dos índios brasileiros. (foto: BBC)

    Segundo a líder, integrante do povo guajajara, do Maranhão, o governo paralisou as demarcações para não desagradar políticos ligados ao agronegócio e buscar o apoio deles à reeleição da presidente Dilma Rousseff.
    Guajajara, de 40 anos, diz ainda que Dilma desconhece os índios brasileiros e ignora suas aspirações. "Ela pensa que, para ficarmos bem, precisamos ter bens, chuveiro quente, casa de alvenaria".
    "Nossa lógica e nosso modo de vida são outros: qualidade de vida para nós é liberdade, e liberdade é ter nossos territórios livres de ameaças e invasões para produzir sem destruir, como fazemos milenarmente."
    Procurados, o Ministério da Justiça e a Presidência não se pronunciaram sobre as críticas de Guajajara. Leia os principais trechos da entrevista.
    BBC Brasil - A relação dos índios com o governo federal piorou?
    Sonia Guajajara - Piorou bastante, e o desgaste tem ocorrido por conta da omissão do ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] em relação à questão de demarcação de terras. Os conflitos no campo se acirraram, e ele simplesmente suspendeu todos os processos de demarcação em curso.
    A Dilma demarcou apenas dez terras em quatro anos de mandato, o pior resultado para um governo desde que nossas terras começaram a ser demarcadas. Há 12 processos de demarcação na mesa do ministro Cardozo que dependem somente da assinatura dele. Esses processos já estão concluídos e não envolvem conflito nenhum. Mesmo assim, ele não assina. Eles não querem perder o apoio da bancada ruralista para a eleição da Dilma.
    BBC Brasil – O ministro diz que os processos foram paralisados para evitar conflitos e que as soluções devem ser negociadas.
    Guajajara - Todas as medidas do governo para tentar resolver agravaram os conflitos. Quando em 2012 saiu a portaria 303 da Advocacia Geral da União [que define a posição do órgão federal quanto à demarcação de terras e, entre outros pontos polêmicos, admite obras nessas áreas se houver "relevante interesse público da União"], grandes fazendeiros voltaram a áreas que haviam sido retomadas por indígenas, e só na Bahia índios instalaram 64 acampamentos de retomada de terra. Temos a sensação de que as mesas de diálogo não são para resolver. Como se pode fazer diálogo se apenas uma das partes tem de ceder sempre? Não são mesas de diálogo, mas de imposição.
    BBC Brasil – O governo e associações rurais dizem que várias das terras reclamadas pelos índios hoje não são ocupadas por grandes fazendeiros, mas sim por pequenos agricultores, que têm os títulos dessas áreas.
    Guajajara – Nosso problema não é com o pequeno agricultor. Em quase todas as áreas a serem livradas de intrusos ou devolvidas a indígenas, os pequenos agricultores aceitam sair se receberem indenização. Quem está lutando contra isso e pressionando são os grandes. E o governo não está a fim de pagar, por isso fica se escondendo atrás desse argumento falso.
    BBC Brasil – O clima ruim com o governo se deve somente à atuação do ministro da Justiça?
    Guajajara - O ministro da Justiça obedece ordens superiores. A Dilma não está nem aí para nós. Para ela, nem existe índio no Brasil. O interesse dela é o avanço da economia e o desenvolvimento, não importa quem estiver no meio. Durante todo o governo fomos recebidos uma só vez por ela, em junho de 2013, durante as manifestações. Foi até muito simpática, prometeu que nenhum ato de governo seria implantado em Terras Indígenas sem nos ouvir. Mas o que vemos é o avanço das hidrelétricas e as obras do PAC ocorrendo sem qualquer consulta. Na região do Tapajós [no Pará], quando os munduruku resistiram à construção das hidrelétricas que estão planejadas lá, a presidente publicou o decreto 7957 [que regulamenta o emprego de forças federais em conflitos ambientais]. O decreto permite a entrada da Força Nacional nas Terras Indígenas para facilitar estudos ambientais, mas a presença dela acaba inibindo manifestações.
    BBC Brasil – Há espaço para os índios no modelo de desenvolvimento pregado pelo governo?
    Guajajara – A Dilma acha que temos que comprar, consumir e fazer cooperativas para ter dinheiro. Ela pensa que, para ficarmos bem, ter qualidade de vida, precisamos ter bens, chuveiro quente, casa de alvenaria. Nas grandes obras, às vezes oferecem às comunidades algum dinheiro, achando que vão resolver os problemas. Mas para o indígena o dinheiro acaba sendo um ponto de conflito, porque não temos o costume de lidar com ele. Não temos essa coisa de acumular riquezas. Nossa lógica e nosso modo de vida são outros. O que a maioria dos indígenas nas aldeias quer é tranquilidade. Qualidade de vida para nós é liberdade, e liberdade é ter nossos territórios livres de ameaças e invasões para produzir sem destruir, como fazemos milenarmente.
    BBC Brasil - Quem o movimento indígena vai apoiar nas eleições?
    Guajajara - Estamos numa sinuca de bico. O governo Dilma foi muito ruim para nós, e não há nada que possa mudar nossa revolta, inclusive contra o PT. Mas outro governo de direita do PSDB seria muito ruim também. O Eduardo Campos, apesar de aliado com a Marina Silva, não sabe nem o que são povos indígenas. A Marina acabou se enrolando bastante. É um cenário político muito ruim, que não apresenta nenhuma perspectiva para nós.
    BBC Brasil - Quais os temas mais urgentes para os índios hoje?
    Guajajara - Tudo é relacionado à terra. Na Amazônia, a demarcação avançou bastante, mesmo assim praticamente todas as Terras Indígenas sofrem a exploração ilegal de recursos naturais. Em outras áreas os índios ficaram quase sem terra nenhuma. Em Mato Grosso do Sul, a questão é mais urgente por conta da violência. Os pistoleiros entram nas aldeias, e morre gente todo dia. Em São Paulo, tem uma área, a Terra Indígena Jaraguá, em que 600 índios vivem em pouco mais de um hectare! No Sul, os indígenas também estão sem terras e há mais de 60 acampamentos à beira da estrada. Quando eles resolvem fazer retomada e lutar pelo direito territorial, são presos. E tem a situação no Nordeste, onde, além da criminalização e falta de terras, os indígenas têm que lutar pelo seu reconhecimento enquanto etnias, enquanto povos. Lá se acirrou muito o preconceito dos que acham que não é índio quem não tem as características físicas associadas aos indígenas. Sabemos que a violência do processo de colonização, que teve abusos de todos os tipos, inclusive sexual, mudou muito as características desses povos. É uma situação que demonstra o preconceito no Brasil contra os indígenas.
    BBC Brasil - O preconceito tem aumentado?
    Guajajara - Ao mesmo tempo que aumentou bastante o número de brasileiros que se autodeclaram indígenas, aumentou muito mais ainda o preconceito e o racismo. Até uns dez anos atrás, negavam a nossa presença, faziam de conta que não existíamos. O racismo estava escondido. Hoje o preconceito é muito mais visível e declarado. Teve aquele caso no sul do Amazonas, onde população da cidade de Humaitá se revoltou com os índios, tacando fogo nas aldeias e nos prédios públicos que cuidam das questões indígenas [os ataques ocorreram em dezembro de 2013 após a morte de três moradores que sumiram enquanto cruzavam uma área da etnia tenharim; desde então, seis índios foram presos e acusados pelas mortes, mas negam o crime].
    BBC Brasil – Tem havido no Brasil um forte avanço das políticas afirmativas, especialmente em favor dos negros, como as cotas em universidades e em concursos públicos. Os índios, porém, parecem ainda não ter conquistado o mesmo espaço nessas políticas e nas instituições do Estado. Por quê?
    Guajajara - De fato tem avançado bastante a inserção do negro na universidade, inclusive em ministérios e no Parlamento. Mas isso não quer dizer que a situação deles melhorou lá na ponta. Veja a situação dos quilombos. Eles têm as mesmas dificuldades que nós. Temos a preocupação de não ter representantes só por ter. Queremos indígenas nos espaços de decisão, mas com autonomia.
    (FONTE: BBC)
    ASCOM ARPIN SUL - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DA REGIÃO SUL

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Organizações Indígenas e indigenistas negam a participação em audiências públicas sobre à PEC 215

Tomamos esta decisão por entendermos que: 1. Os povos indígenas e suas organizações demonstram há anos, país afora, contrariedade à PEC 215/00, chegando a ocupar, no mês de abril de 2013, o plenário da Câmara Federal;


2. Mobilizados no período de 26 a 29 de maio de 2014 em Brasília, os povos indígenas mais uma vez tornaram público seu repúdio e reivindicaram do Presidente da Câmara Henrique Alves a não aprovação da PEC 215, que se comprometeu a não levar a votação a iniciativa enquanto não houver consenso. 3. Ainda em 2013, sob pressão da mobilização de abril, o Presidente Alves criou uma Grupo de Trabalho Paritário formado por parlamentares e indígenas que emitiu relatório contra a PEC 215, considerada reiteradas vezes inconstitucional; 4. O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, por ocasião de mandado de segurança impetrado pela Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas deu parecer atestando a inconstitucionalidade da proposta; 5. O Ministério Público Federal também se pronunciou reafirmando a inconstitucionalidade da PEC 215; 6. Juristas, articulistas da imprensa, intelectuais, organizações e movimentos sociais, associações de profissões diversas, ambientalistas e quilombolas rechaçaram rotundamente a proposta.

Dessa forma, os povos indígenas e seus aliados já explicitaram há muito tempo o seu ponto de vista, pela rejeição da PEC 215/00, não só porque ela afeta uma regra jurídica fundamental: a divisão dos poderes, mas sobretudo porque busca suprimir o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais reconhecido pela Constituição Federal de 1988.

Denunciamos, assim, que tais audiências respondem ainda às agendas eleitorais da bancada ruralista, que fazem delas palco de incitação ao ódio, à violência, o racismo e a discriminação contra os povos indígenas e outros segmentos da população como os quilombolas e os sem terra. Por elas os parlamentares ruralistas tentam transformar a luta de um grupo minoritário de latifundiários contra demarcação das terras indígenas em plataforma política. Nas audiências, tão logo destilam ódio e informações mentirosas para pequenos agricultores e à população do entorno dos territórios indígenas, gerando um clima de angústia, insegurança e medo, tais deputados se apresentam como defensores dos direitos destes agricultores no Congresso Nacional.

Seguimos com opinião contrária à PEC 215/00, assim como o STF, a PGR, o Executivo, setores do próprio Legislativo e da população brasileira,  enquanto os autores e beneficiados pela proposta seguem a defendendo, visando unicamente seus interesses particulares. Inadmissível é vermos parlamentares manipulando um instrumento constitucional de diálogo com o intuito de subtrair do procedimento democrático seu real fim e legitimar junto a sociedade o monólogo autoritário de quem sempre apostou no arbítrio. Não podemos participar deste ataque aos direitos indígenas e à Constituição.

Brasília – DF, 04 de junho de 2014.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME

Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPINSUL

Comissão Guarani Yvyrupa – CGY

Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste – ARPINSUDESTE

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB

Conselho dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul

Grande Assembléia Guarani – Aty Guasu

Centro de Trabalho Indigenista – CTI

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Greenpeace

Instituto Socioambiental – ISA

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Índios dão queixa de deputados e participam de audiência pública por direitos e terras



Manifestantes protocolaram queixa-crime contra os deputados federais Luís Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS), por terem incitado a violência contra índios

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No Congresso, índios entoaram cantos antes de se manifestarem no Ministério da Justiça, ontem (27)

São Paulo – Durante essa semana, representantes de mais de cem povos indígenas estão em Brasília para reivindicar os direitos dessa população. Após manifestação no Congresso nacional ontem (27), eles vão participar hoje (28) de uma audiência pública sobre a questão. Lideranças afirmam que as mobilizações têm como objetivo a defesa dos territórios indígenas. A reportagem foi ao ar na edição de ontem (27) do Seu Jornal, da TVT.
Depois de protestarem em frente ao Congresso, os índios protocolaram queixa-crime contra os deputados federais Luís Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS), por terem incitado a violência contra índios, quilombolas, gays e lésbicas em um vídeo publicado na internet em fevereiro deste ano. Os deputados se referiram a essas classes como "tudo que não presta no Brasil".
A queixa contra os parlamentares foi apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela frente parlamentar em defesa dos direitos humanos. De acordo com Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a denúncia foi feita, mas ainda não houve seguimento.
“Esse discurso deles é o que incita a violência da sociedade, dos pequenos produtores, contra as nossas populações, por isso que a gente vem aqui protocolar no STF, pedir que eles nos deem um posicionamento”, afirma a líder indígena.
Depois de apresentar a denúncia ao Supremo, os indígenas fizeram um ritual de pajelança na Praça dos Três Poderes. Em seguida foram até a parte superior do Congresso, próximo às cúpulas onde ficam os plenários da Câmara e do Senado.
Segundo Sonia Guajajara, o ato simbolizou a discordância dos índios com os parlamentares. "Estamos no Congresso, onde a cada dia temos nossos direitos atacados; onde está a maior ofensiva contra o direito dos povos indígenas", afirmou.
*Com informações da Agência Brasil

Em Brasília, índios ocupam acessos do Ministério da Justiça

Cerca de 300 lideranças indígenas de todo o país ocupam neste momento todos os acessos do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Eles pedem uma reunião com o ministro José Eduardo Cardozo.
De acordo com um dos representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Arpib) Lindomar Terena, os índios querem, entre outros pontos, entregar um documento com 36 processos de regularização de terras indígenas e reivindicar a efetivação dos processos de demarcação.
Uma das principais luta das comunidades é impedir a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que inclui, entre as competências exclusivas do Congresso Nacional, a aprovação de demarcação de terras indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação sejam regulamentados por lei. A PEC é defendida pelos integrantes da bancada ruralista.
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“Estamos negociando com a assessoria para que seja recebida uma comissão, porque resolvendo a questão da demarcação de terra acaba com a violência contra os povos indígenas”, destacou a liderança de Mato Grosso do Sul. Segundo ele, até o momento, não houve contato e os índios permanecerão no local até obterem resposta.
A Agência Brasil não conseguiu contato com o ministério até a publicação da matéria
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Tags: conflito, df, indio, manifestação, protesto

Índios protestam em Brasília e sobem na cobertura do Congresso

Ato foi pacífico; índios permaneceram 40 minutos e deixaram local.

Um dos temas do ato é projeto que muda regras de demarcação de terras.


Cerca de 300 indígenas de diversas etnias, segundo estimativa da Polícia Militar, ocuparam nesta terça-feira (27) a marquise do Congresso Nacional, em Brasília. O ato durou cerca de 40 minutos e foi pacífico, sem depredação do prédio nem feridos.
Os indígenas protestaram contra mudanças nas regras para demarcação de terras, entre elas a proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere para o Legislativo a decisão de homologar terras indígenas e esvazia o poder Funai, atual responsável por elaborar estudos de                                                                                               demarcação.
.Os indígenas acessaram a marquise pela lateral do prédio do Congresso, no Eixo Monumental. Os policiais não tentaram retirar os manifestantes, que permaneceram no local tocando e dançando músicas típicas por cerca de 40 minutos. Em seguida, desceram a rampa do Congresso e subiram em direção à Esplanada dos Ministérios. Eles carregavam faixas.
"Estamos aqui pois nosso território está ameaçado. Nos sentimos desrespeitados e atacados, principalmente pelo agronegócio", afirma Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Os manifestantes se concentraram em frente ao Ministério da Justiça e também estiveram no Palácio do Planalto.

Depois de descerem do rampa do Congresso, os manifestantes iniciaram uma caminhada pelo Eixo Monumental, em direção à Rodoviária do Plano Piloto. O grupo chegou a ocupar todas as faixas da via no sentido Torre de TV, o que complicou o trânsito.
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Índios brasileiros de diferentes etnias protestam em frente ao Palácio do Planalto em Brasília (Foto: Evaristo Sa/AFP)Índios brasileiros de diferentes etnias protestam em frente ao Palácio do Planalto em Brasília (Foto: Evaristo Sa/AFP)
 FONTE: Do G1 DF e do G1, em Brasília