Foi uma das etnias
tupis notáveis por ser capaz de resistir por tanto tempo utilizando um complexo sistema de alianças com ingleses e principalmente franceses comerciantes de pau-brasil. Das cinco expedições ibéricas contra os potiguaras, quatro foram rechaçadas e vencidas pelos nativos.
|
Cacique Geral dos Índios Potiguara da Paraíba, Sandro Gomes Barbosa |
Condições atuais
Nos dias atuais, habitam o norte do estado brasileiro da Paraíba, junto aos limites dos municípios de
Rio Tinto,
Baía da Traição e
Marcação (na
Terra Indígena Potiguara, Terra Indígena Jacaré de São Domingos e
Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor) e no Ceará, nos municípios de
Crateús (na Terra Indígena Monte Nebo);
Monsenhor Tabosa e
Tamboril (
Terra Indígena Potigatapuia(Mundo Novo e Viração ou Serra das Matas)). Falam o
potiguara, um idioma da família
tupi-guarani. Vários descendentes da tribo dos potiguares adotaram, ao serem submetidos ao batismo
cristão, o sobrenome “Camarão”, sendo o mais famoso deles o combatente
Filipe Camarão (considerado um dos maiores
ameríndios da história luso-americana, já que foi decisivo, a exemplo do luso-paraibano
André Vidal de Negreiros, na grandiosa vitória contra a maior potência mundial do século XVII).
Distribuição
Atualmente, são o único povo
indígena oficialmente reconhecido no estado da
Paraíba. Sua população gira em torno de 20.282 Íindios, sendo uma das maiores do
Brasil e a maior do
Nordeste etnográfico – estados do
Piauí,
Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco,
Alagoas,
Sergipe e a parte setentrional da
Bahia. Estão distribuídos em 37 localidades sendo que 32 delas são consideradas aldeias, além da forte presença nas áreas urbanas dos municípios de
Baía da Traição,
Marcação e
Rio Tinto. Processos migratórios também levaram contingentes significativos dos Potiguara a habitarem cidades como
Mamanguape,
João Pessoa,
Rio de Janeiro e
Cabedelo,
Bayeux e
Santa Rita, na Paraíba, e
Canguaretama,
Baía Formosa e
Vila Flor, no Rio Grande do Norte.
Distribuição dos grupos de língua tupi na costa brasileira no século XVI
Organização
Em
termos organizativos, a distribuição do poder de decisão e de representação se dá a partir dos grupos de
famílias extensas, que geralmente estão alocadas em
aldeias próximas umas às outras. Cada aldeia possui um
cacique ou representante que media as relações da comunidade com os órgãos oficiais (
Fundação Nacional do Índio,
Fundação Nacional de Saúde,
prefeituras etc.) e comerciais (usinas, guias de turismo, criadores de camarão etc.) e resolve pequenos problemas da localidade. Além desses representantes locais, existe um cacique-geral, que representa o grupo em seu todo, principalmente perante os órgãos oficiais e a
Justiça. Esses cargos são resultado das adaptações realizadas historicamente nas formas de representação política do
grupo étnico desde o
século XIX.
Neste contexto, os povoados que são considerados aldeias são aqueles que possuem um líder ou representante, geralmente chamado de cacique, não importando necessariamente a quantidade de pessoas que neles habitem.
Aldeias
As Aldeias Potiguaras São:
Galego,
Forte,
Lagoa do Mato,
Cumaru,
São Francisco,
Vila São Miguel,
Laranjeiras,
Santa Rita,
Tracoeira,
Bento,
Silva,
Borel,
Acajutibiró,
Jaraguá,
Silva de Belém,
Vila Monte-Mor,
Jacaré de São Domingos,
Jacaré de César,
Carneira,
Estiva Velha,
Lagoa Grande,
Grupiúna,
Grupiúna de Cima,
Brejinho,
Tramataia,
Camurupim,
Caieira,
Nova Brasília,
Três Rios,
Coquerinho,
Benfica e
val.
Etnias indígenas mais populosas no Leste-Nordeste brasileiro
Além dessas aldeias, existe em torno de uma dezena de outros povoados que não possuem representante oficialmente reconhecido e que são representados pelo líder da aldeia mais próxima, tais como: Sarrambi, Taiepe, Bemfica, Vau, Gameleira, Engole Vivo e Mata Escura. Monte-Mor e Três Rios passaram a ser consideradas como aldeias há pouco tempo: Monte-Mor quando passou a contar com um representante, saindo da esfera da aldeia Jaraguá, já Três Rios, depois que os índios da zona urbana de Marcação retomaram uma faixa de terras ocupadas por canaviais e refundaram o antigo povoado que havia existido no local. Os índios que moram na Baía da Traição, porém, geralmente recorrem aos representantes das aldeias Forte, São Miguel e Acajutibiró pela proximidade destas com o centro da cidade, quando não, diretamente ao Posto Indígena da Fundação Nacional do Índio, localizado no Forte.
As terras indígenas ocupam um espaço de 33 757 hectares distribuídos em três áreas contíguas, nos municípios de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação. A Terra Indígena Potiguara situa-se nos três municípios anteriormente referidos e possui 21.238 ha. Foi demarcada em 1983 e homologada em 1991. A Terra Indígena Jacaré de São Domingos tem 5 032 hectares nos municípios de Marcação e Rio Tinto, cuja homologação se deu em 1993. Por fim, a Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, com 7 487 hectares, em Marcação e Rio Tinto, está em processo de demarcação, em razão de conflitos com as usinas de açúcar e a
Companhia de Tecidos Rio Tinto.
Economia
As principais atividades econômicas desenvolvidas pelos índios são:
- a pesca marítima (na Baía da Traição, Camurupim e Tramataia) e nos mangues (em quase todas as aldeias), o extrativismo vegetal (mangaba, dendê, caju e batiputá),
- a agricultura de subsistência (milho, feijão, mandioca, macaxeira, inhame, frutas etc.),
- a criação de animais em pequena escala (galinhas, patos, cabras, bovinos, muares e cavalos),
- o plantio comercial de cana-de-açúcar (geralmente em terras arrendadas para usinas),
- a criação de camarões em viveiros,
- o assalariamento rural (principalmente nas usinas de cana) e urbano,
- o funcionalismo público (com destaque para as prefeituras) e
Durante muitas décadas, a economia da região esteve centralizada na dinâmica da
Companhia de Tecidos Rio Tinto, que contratava inúmeros trabalhadores índios e não índios em suas fábricas e criava um mercado consumidor para a produção agrícola e pesqueira. Nos últimos anos, após a falência da companhia, a economia da região está baseada na exploração da cana-de-açúcar, no
turismo e na
criação de camarões.
Religião
O catolicismo é a religião institucionalizada mais antiga entre os potiguaras, remontando ao
período colonial e fonte dos símbolos étnicos, históricos e territoriais representados pelas velhas igrejas de Nossa Senhora dos Prazeres e São Miguel, com seus oráculos e festas anuais; existem 19 igrejas na área Potiguara; nas aldeias são festejados anualmente os padroeiros, os quais são momentos de encontro e aliança entre as comunidades. Nos últimos anos tem crescido a atuação de missionários católicos ligados ao
Movimento Carismático, o que tem modificado as feições tradicionais do catolicismo Potiguara. As chamadas igrejas evangélicas, ou de crentes, estão presentes na área desde a
década de 1960,
4 sendo as mais atuantes a Betel (três templos), a Batista (Gênese – um templo e Histórica – dois templos), a Assembleia de Deus (nove templos), Brasil para Cristo (um templo) e as Testemunhas de Jeová. Várias aldeias dispõem de templos para a realização dos cultos e é constante a movimentação de
pastores nas terras indígenas. Os umbandistas e juremeiros são alvo de muitos estigmas, sendo acusados de
feitiçaria e classificados como catimbó. Sua presença e atuação são discretas, embora existam alguns terreiros e oficiantes publicamente conhecidos residindo nas aldeias; até o ano de 2008 existiam cerca de 10 locais de tais práticas espiritualistas. Em
Vila Monte-Mor há um centro espírita
kardecista dirigido por um casal formado por uma índia e um não índio.
Em interação com este universo multifacetado, mas invisibilizados, existem inúmeros rezadores e rezadeiras que curam males físicos e espirituais e se vinculam às práticas mais tradicionais do catolicismo. É com discrição que a maioria dos índios menciona o contato com aqueles que consideram como os espíritos dos antepassados durante o
Toré e outros. Contudo, afirmam que este tipo de contato é real e que seus antepassados ainda hoje estão presentes nas matas e furnas da região. Que os matos,
mangues e as águas são habitados por entidades que lhes protegem e que os caboclos velhos tinham a faculdade de conversar com esses seres.
O tratamento com
plantas medicinais e o recurso aos poderes sobrenaturais das entidades da natureza e aos antepassados fazem parte das formas de construção da etnicidade, garantindo a especificidade cultural do grupo. No entanto, nem todos os índios assumem tais práticas como legítimas devido a fatores como a conversão religiosa – em que os conceitos de
saúde,
doença e cura são expressos geralmente através das interpretações oficiais das igrejas.
Interação com outros povos
Para aqueles que imaginam os Potiguaras vivendo em relativo isolamento geográfico, social e cultural, a constatação da complexidade das relações nesse campo de ação indigenista é chocante: a extensão da área de ocupação tradicional é muito grande – mais de 30 000 hectares, distribuídos em três municípios; o volume da população nesse território – mais de 35 000 habitantes entre índios e não índios; a presença das áreas urbanas de
Rio Tinto,
Vila Monte-Mor,
Marcação e
Baía da Traição e a dispersão da população indígena em 26 aldeias nos mostram o quanto a vida dos índios na Paraíba não é elementar.
Outros fatores tornam as ações indigenistas na região mais complicadas: a intensa proximidade entre índios e não-índios, não permitindo uma clara definição dos limites efetivos do grupo social para os “de fora”; apesar da presença antiga do órgão indigenista oficial na região (
Fundação Nacional do Índio), atestando as fronteiras geográficas, étnicas e jurídicas. Contudo, a ação indigenista oficial contribui, ela mesma, para a complexificação das fronteiras étnicas na região, na medida em que a distribuição de recursos e as estratégias de controle e repressão da população criam uma instabilidade situacional que abre a possibilidade de os indivíduos transitarem entre identidades possíveis, dentro e fora dos limites da administração indigenista.
Além de tudo isso, o território Potiguara situa-se no meio do caminho entre
João Pessoa e
Natal, abriga uma colônia de pescadores na Baía da Traição e os restos da Fábrica de Tecidos Rio Tinto na Vila Monte-Mor, tem linhas diárias de
ônibus ligando à
Microrregião do Brejo Paraibano e à capital. Sem falarmos nas rotas turísticas que saem de Pipa, no Rio Grande do Norte e de João Pessoa com direção às aldeias para comprar artesanato, ou nos ônibus com banhistas, que todo fim de semana congestionam a rua principal da Baía da Traição, vindos de várias cidades do interior. Assim, não há a mínima possibilidade de pensarmos o universo social Potiguara como isolado ou com pouca comunicação com o “mundo exterior”.
Somem-se a isso as várias agências de contato que estão presentes na área: Fundação Nacional do Índio, Fundação Nacional de Saúde, prefeituras, secretarias estaduais, empresas de turismo, usinas de álcool e açúcar, Companhia de Tecidos Rio Tinto, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis,
Organizações Não Governamentais, universidades e escolas, igrejas e movimentos religiosos, todas atraídas pelos índios, pela riqueza do
meio ambiente ou pela história da região. Essa pluralidade de atores, agências e fluxos (econômicos, culturais, de informações etc.) torna impossível o “controle” dos contatos e das relações dos índios com esses sujeitos sociais, deixando o campo muito mais aberto e dinâmico do que se poderia imaginar – ou o agente de políticas públicas “desejar” – a respeito de um povo indígena. Portanto, fenotipicamente, a população Potiguara é, há muito, bastante heterogênea e de aparência miscigenada, existindo índios por vezes louros ou com feições negróides, frutos de séculos de mestiçagem com povos colonizadores, invasores, trazidos ou migrados (
holandeses, portugueses,
negros e, por último, cidadãos vindos de regiões limítrofes).
Índios Potiguara da Paraíba em Foco